"Neymar cresceu numa bolha onde disseram aquilo que ele queria ouvir", diz psicólogo
Especialista em esporte coloca em debate a saúde mental do craque brasileiro após desabafo polêmico

SBT Sports
15/10/2021 às 08:00 • Atualizado 08/12/2023 às 18:09
O recente desabafo de Neymar sobre a possibilidade de disputar sua última Copa do Mundo em 2022 gerou um debate sobre a saúde mental dos atletas e colocou em destaque a pressão sofrida por grandes astros do esporte. Em contato com a reportagem do SBT Sports, o psicólogo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista de Psicologia no Esporte, afirmou que o brasileiro terá de fortalecer o seu lado emocional para não encerrar a carreira de forma precoce.
"Ame ou odeie, temos de falar sobre Neymar. Minha opinião, à distância, é a de que o atleta cresceu envolto a uma bolha de algumas pessoas e familiares que sempre disseram aquilo que ele queria ouvir, afastando-se ao máximo de uma espécie de 'mundo cruel' que insiste em criticá-lo", disse Cozac.
"É impossível passar a vida (pessoal e profissional) inteira dentro dessa bolha. Uma hora ela estoura. E com Neymar, estourou. Neymar aparentemente viveu uma relação muito estreita com o pai, com os parças, com os 10 ou 12 amigos próximos. Hoje, diante do mundo, o atleta parece não acreditar que pode superar esse 'susto' que demonstra sentir ao se expor de forma mais livre nos campos da bola e da vida", afirma o psicólogo.
Segundo o profissional, Neymar deve buscar apoio e reconhecer que aos 29 anos "é uma idade muito pequena para se pensar em aposentadoria no futebol". "É preciso saber que há pessoas que te idolatram e, outras, nem tanto. Para retomar a energia, alegria e motivação em sua carreira, será absolutamente necessário que o atleta se fortaleça psicológica e emocionalmente. Somente assim, saberá de suas possibilidades de uma forma global".
"Da mesma forma, é importante que o atleta respeite seus limites e, se decidir encerrar sua carreira de forma precoce, será uma decisão pessoal e de acordo com a compreensão de suas possibilidades e motivação de se manter nos gramados de todo o mundo", pontua.
A reportagem entrou em contato com a CBF e a entidade informou que atualmente não existe um setor para cuidar da saúde mental dos atletas da seleção, mas a importância do tema é reconhecida pelo técnico Tite.
Cozac relembra que o técnico Tite já havia declarado que a seleção brasileira não teria tempo suficiente para desenvolver um trabalho com psicólogos em sua comissão técnica, mas um acompanhamento contínuo traria grandes benefícios aos jogadores. Ele cita como exemplo a seleção da Alemanha, que conta com um psicólogo do esporte há mais de 15 anos. O profissional atende os atletas de maneira online quando eles estão em seus respectivos clubes.
"Por aqui, desde 1950, quando houve aquela derrota para o Uruguai na decisão do Mundial, vários cronistas relatam a fragilidade emocional dos nossos atletas. E não por menos. Basta lembrarmos a crise nervosa de Ronaldo às vésperas da decisão contra a França, em 98. E o que dizer do 7 a 1 sofrido pela seleção brasileira contra a Alemanha, em 2014?", questiona Cozac.
"A CBF reconhece, muitas vezes, a ocorrência de demandas psicológicas com a equipe principal. No entanto, insiste em não dar o passo adiante na direção da construção de um departamento de psicologia presente e atuante durante toda a temporada. Em vez disso, opta por contratar palestrantes de outras áreas entendendo que, dessa forma, ajudará na motivação da equipe", prossegue.
"Infelizmente, a cultura do povo brasileiro associa os trabalhos psicológicos com 'loucura' ou sinônimo de 'fragilidade'. Pouco se conhece ainda acerca das técnicas modernas, recursos e tecnologia para aprimorar a concentração, reduzir ansiedade e aprimorar o equilíbrio psicoemocional dos atletas. Essa tecnologia já é utilizada em grandes equipes e seleções pelo mundo", finaliza.